Wednesday, September 16, 2009
Cheiro a Olhares sem Guião nem Legenda
No dia importante estavas de serviço a filmar. Foi preciso passarem duas horas para passar por ti e me dizeres "ainda não nos cumprimentamos, pois não?", altura em que notei (e anotei) o teu sentido de humor, de momento e de perspicácia. Gostei.
Estivémos tão ocupados a noite toda que só na hora da pista de dança é que nos voltamos a aproximar um do outro. E foi isso que acontenceu a noite toda. Íamo-nos aproximando, aparecia alguém, ou uma música nova, ou havia uma pé de dança especial para executar, e lá nos afastávamos. Senti que controlavas onde eu estava e o que fazia e lá nos íamos encontrando de quando a quando.
A meio da noite disseste-me que era pena eu não fumar, pois podias vir pedir-me qualquer coisa. Como se fosse preciso uma desculpa dessas para te aproximares de alguém. Recordo a letra de “Aurélie” (Wir sind Helden) que já outro Stefan me havera ensinado: “Die Deutschen flirten sehr subtil” (os alemães são subtis a flirtar). Ou têm mais medo de arriscar. Agora sorrio porque não acho que tivesses medo de avançar. Foste avançando. Ias olhando, ias te aproximando e mandavas uma ou outra boca que só te tornavam mais charmoso.
Às tantas sou apanhada pelo bouquet. Literalmente. A noiva atira-o pelo ar a pique, para trás, e eu, que tinha sido empurrada para a primeira fila, imagino-o a cair atrás de mim e desvio-me para a direita para o deixar passar. Apanho um susto descomunal quando, de repente, cai a pique e se instala no meu ombro, bem aninhado na beira do pescoço. Não caiu, nem sequer ricocheteou. Foi preciso tirá-lo do meu ombro. Surreal.
Logicamente, fui gozada por todos e todas. Ainda tentaste apanhar a liga, mesmo sem saberes para quê, e só um pouco depois, estava eu ainda de bouquet na mão, me dizes: "Então, quais são os teus planos para o futuro?". Depois de tanta conversa de projectos de vida e viagens topei que não te referias a isso e disse: "Parece que tenho de casar, não é?". Bebes um gole de cerveja e disfarças: “ah, ok, então depois convida-me". “Vais esperar sentado, isto vai demorar porque não tenho namorado". Sorriso. Silêncio. Eu pergunto: "Então e quais são os teus planos para o futuro?". Tu, muito frontal: "Também ando à procura da minha mulher". Engoli em seco.
A conversa dirigiu-se para sintonias e dessintonias, amores e azares. “A falta que faz duas pessoas estarem no mesmo comprimento de onda”. Desconversei. Porque se houve coisa que senti, que soube, foi que estávamos no mesmo comprimento de onda. Sem palavras nem promessas. Era como se um lugar que apenas nós conhecêssemos e onde durante a festa nos íamos encontrando.
Chegou a hora de ir embora e fui dizer-te um “Até à próxima”. Devolveste-me o abraço leve mas nem percebeste que eu me ia embora. Quando te expliquei, esperaste que me calasse, agarraste-me no braço, baixaste o teu tom de voz, mais íntimo e disseste "foi excelente ter-te conhecido". Foi um momento tão intenso que nem sei. Não soube responder. Olhei de volta nos teus olhos e abracei-te novamente. Desta vez com força. E tu a mim.
Juntaram-se o teu amigo e a minha amiga e continuamos à conversa enquanto se decidiam transportes. Descobrimos que íamos partir no dia seguinte exactamente à mesma hora, e no dia seguinte descobri que eram os únicos dois voos a partir àquela hora. De terminais diferentes, claro. Ainda me perguntaste se vinha pelos teus lados, se no caminho para o aeroporto passava pelo Estoril. Iríamos juntos?
Éramos só os quatro na festa e vocês precisavam de boleia. Eu e a minha amiga decidimos levar-vos até mais perto de um táxi, mas como nunca encontramos nenhum deu tempo de chegarmos à porta do vosso hotel.
Criticaste a minha velocidade alucinante naquela estrada tortuosa. Na verdade a estrada não era assim tão perigosa, já a tinha percorrido naquela tarde e sabia que era segura e não continha detalhes perigosos. Ah!, e eu ia a 40 Km/h. Tanto pediste para eu abrandar que te disse, com alguma graça “Se calhar não queres que a estrada chegue ao fim”. Sorriste: “Nein, eigentlich will ich nicht” (não, realmente acho que não quero). Como se aquela estrada fosse todo o nosso percurso. Como se depois dela nos tivéssemos de separar, como se tivéssemos de parar o que estávamos a fazer, como se aqueles momentos já esticados no tempo fossem um balão em expansão prestes a rebentar. Acho que foi com essa frase que soube que não haveria essa rotura.
Quando nos despedimos, no fim da noite, chamaste-me novamente Sonnenschein (raio de sol), abraçaste-me com imensa força, num abraço intemporal, quente, forte, sentido, não me deixaste falar, enterraste a cabeça no meu pescoço e falaste-me ao ouvido: “És mesmo especial.. bis bald” (até breve). Afastamo-nos, olhas-me nos olhos e dizes novamente “bis bald, ok?”.
Não te conheço. Não sei quem és nem quem mostras ser. Mas sinto-me bem ao pé de ti. Existe toda uma envolvência em torno de um entendimento que não tem língua, nem palavras, nem sinais, nem complexos, nem limitações. É feito de movimentos, de posições e de sorrisos. Sem guião nem legendas.
Cheiro a Sintonia de Verão
Saldei a minha dívida com o cosmos. Há mais de 12 anos que carrego na alma o peso de uma falta de frontalidade, de um gesto romântico que não merecia receber, de um anel que me acompanha sempre para me lembrar -não sei se de um amor que deitei a perder, se de uma juventude que a ele estava associada, se dos erros que não gostaria de repetir, - e ainda o peso da dor que causei a alguém para quem qualquer enaltecimento seria pouco. Mas hoje, no mesmo aeroporto, dei o braço a torcer e cometi um gesto romântico.
O único gesto romântico possível seria esquecer-me de mim e ir a teu encontro. Fui cedo para o aeroporto, no meu íntimo já sabia o que queria fazer mas ainda não tinha tomado a postura decisiva correcta. Fui para o Terminal 2 cedo demais, ainda antes de abrirem os check-ins, e lá despachei as malas. Com sorte até me safei de pagar excesso de bagagem, acharam que eu tinha cara de estudante. Perguntei como funcionavam as shuttles entre os Terminais: “Se quiser, pode passar no Raio X no Terminal 1, visitar as zonas comerciais e regressar a este terminal pela shuttle interna, que a vai deixar mesmo à beira das portas de embarque, pronta para embarcar para o seu vôo”. Algum dia haveria de experimentar estas novidades, e por que não hoje?
“Do it, do it, do it, do it, do it, do it, do it now, say it, say it, say it, say it, say it, say it, say it now”. (Hot Chip)
Fui. Sabia que corria o risco de não te encontrar, sabia que corria o risco de esperar por ti uma hora para conversarmos dez minutos, sabia que te poderia ver a correr ao longe e nunca te alcançar, nem veres que estive lá, sabia que poderia perder o meu avião estando à tua procura, não conhecia os timings das shuttles e o mais certo seria perder-me. Mas não tinha medo – queria procurar-te, queria estar ali, no aeroporto, que era o único sítio concebível para estar, sentindo-te perto, ansiando pela tua presença. Queria saber que, pelo menos, tinha tentado ver-te novamente.
Os minutos passavam e não te via. Concentrei-me, pensei em ti, na nossa sintonia tão leve e tão sem legendas, e o meu telemóvel começou a apitar. Um sinal, seria? Decidi dar uma pequena volta e foi quando voltei ao mesmo ponto que te vi no bar. De tanto procurar nem sabia se te iria reconhecer, passava tão perto das pessoas que devem ter pensado que era terrivelmente míope. Mas quando te vi nem um segundo precisei para o saber. Eras tu. De T-shirt branca. Entroncado. Mãos grandes. É incrível como existem momentos em que já não há miopia.
Eu sabia que te ia encontrar. Sabia. Sentia. Pressentia. Eu sabia que irias ao bar. Como bom alemão que és, foste buscar uma cerveja de recordação. Eu sabia que o irias fazer, só não adivinhava em que bar, quando, como, sei lá…
Cheguei mesmo ao teu lado e disse “hi”. Largaste um enorme sorriso e nem querias crer que eu ali estava. Que surpresa! Ainda bebemos uma água juntos e nos sentamos uns minutinhos à conversa. Foram poucos, mas excelentes, e fizeram-me esquecer toda a espera e a ansiedade por que tinha passado.
Assim que cheguei ao pé de ti fiquei calma, sentia-me bem. Não precisava de te explicar ao que tinha vindo, acho que tu o saberás, nem de justificar nada, nem a mim própria nem a ninguém. Estava ali porque o queria. E tu estavas contente por me ver. Falaste em voltar a Lisboa. Falei em juntar-me a ti. E por várias vezes disseste de forma ambígua que “das ist alles so schön” (isto é tudo tão bonito)… da última vez sorriste-me, olhaste-me no fundo da alma e eu sorri-te de volta a concordar. Foi óptimo…
Mais um abracinho forte, mais sorrisos, mais conversas directas mas subtis, mais olhares. Mexeste no telemóvel e roubei-to da mão, deste-me logo o código para o poder usar, inseri o meu número e dei-me um toque. “The oldest trick in the book”, pelo menos deste tempo dos telemóveis. Riste-te. E depois do abraço final falaste num chat qualquer. Sei que também te apetece conhecer-me. Aos bocadinhos.
Fui para um lado e tu para o outro. Hesitei em virar-me para te voltar a ver, e quando o fiz vi-te de pé, parado, a acenar-me. Tenho esta imagem ternurenta tatuada na memória.
Com tanta conversa saí do Terminal atrasada, já nas corridas para a minha porta de embarque, onde já não havia pessoas à espera e piscavam as letrinhas vermelhas de “Last Call”. Imediatamente imaginei o meu nome a ser chamado inúmeras vezes e eu sem o ouvir, tão longe e tão leve estava. Fui a última pessoa a embarcar, vergonhosamente sozinha no autocarro. Com um sorriso enorme nos lábios. Valeu a pena.
O meu avião na pista a preparar-se para descolar e não conseguia evitar pensar que minutos antes ou minutos depois estarias tu de partida, na direcção oposta. Numa tarde de sol, com o mar por companheiro, eu a caminho de casa e tu da tua, eu a caminho do sol posto e tu penetrando a noite escura, a levantar voo quase simultaneamente do mesmo aeroporto, em direcções opostas, para destinos com 4000 Km e 2h que nos separam… Uma visão poética.