Wednesday, September 16, 2009

Cheiro a Sintonia de Verão

Saldei a minha dívida com o cosmos. Há mais de 12 anos que carrego na alma o peso de uma falta de frontalidade, de um gesto romântico que não merecia receber, de um anel que me acompanha sempre para me lembrar -não sei se de um amor que deitei a perder, se de uma juventude que a ele estava associada, se dos erros que não gostaria de repetir, - e ainda o peso da dor que causei a alguém para quem qualquer enaltecimento seria pouco. Mas hoje, no mesmo aeroporto, dei o braço a torcer e cometi um gesto romântico.

O único gesto romântico possível seria esquecer-me de mim e ir a teu encontro. Fui cedo para o aeroporto, no meu íntimo já sabia o que queria fazer mas ainda não tinha tomado a postura decisiva correcta. Fui para o Terminal 2 cedo demais, ainda antes de abrirem os check-ins, e lá despachei as malas. Com sorte até me safei de pagar excesso de bagagem, acharam que eu tinha cara de estudante. Perguntei como funcionavam as shuttles entre os Terminais: “Se quiser, pode passar no Raio X no Terminal 1, visitar as zonas comerciais e regressar a este terminal pela shuttle interna, que a vai deixar mesmo à beira das portas de embarque, pronta para embarcar para o seu vôo”. Algum dia haveria de experimentar estas novidades, e por que não hoje?

Do it, do it, do it, do it, do it, do it, do it now, say it, say it, say it, say it, say it, say it, say it now”. (Hot Chip)

Fui. Sabia que corria o risco de não te encontrar, sabia que corria o risco de esperar por ti uma hora para conversarmos dez minutos, sabia que te poderia ver a correr ao longe e nunca te alcançar, nem veres que estive lá, sabia que poderia perder o meu avião estando à tua procura, não conhecia os timings das shuttles e o mais certo seria perder-me. Mas não tinha medo – queria procurar-te, queria estar ali, no aeroporto, que era o único sítio concebível para estar, sentindo-te perto, ansiando pela tua presença. Queria saber que, pelo menos, tinha tentado ver-te novamente.

Os minutos passavam e não te via. Concentrei-me, pensei em ti, na nossa sintonia tão leve e tão sem legendas, e o meu telemóvel começou a apitar. Um sinal, seria? Decidi dar uma pequena volta e foi quando voltei ao mesmo ponto que te vi no bar. De tanto procurar nem sabia se te iria reconhecer, passava tão perto das pessoas que devem ter pensado que era terrivelmente míope. Mas quando te vi nem um segundo precisei para o saber. Eras tu. De T-shirt branca. Entroncado. Mãos grandes. É incrível como existem momentos em que já não há miopia.

Eu sabia que te ia encontrar. Sabia. Sentia. Pressentia. Eu sabia que irias ao bar. Como bom alemão que és, foste buscar uma cerveja de recordação. Eu sabia que o irias fazer, só não adivinhava em que bar, quando, como, sei lá…

Cheguei mesmo ao teu lado e disse “hi”. Largaste um enorme sorriso e nem querias crer que eu ali estava. Que surpresa! Ainda bebemos uma água juntos e nos sentamos uns minutinhos à conversa. Foram poucos, mas excelentes, e fizeram-me esquecer toda a espera e a ansiedade por que tinha passado.

Assim que cheguei ao pé de ti fiquei calma, sentia-me bem. Não precisava de te explicar ao que tinha vindo, acho que tu o saberás, nem de justificar nada, nem a mim própria nem a ninguém. Estava ali porque o queria. E tu estavas contente por me ver. Falaste em voltar a Lisboa. Falei em juntar-me a ti. E por várias vezes disseste de forma ambígua que “das ist alles so schön” (isto é tudo tão bonito)… da última vez sorriste-me, olhaste-me no fundo da alma e eu sorri-te de volta a concordar. Foi óptimo…

Mais um abracinho forte, mais sorrisos, mais conversas directas mas subtis, mais olhares. Mexeste no telemóvel e roubei-to da mão, deste-me logo o código para o poder usar, inseri o meu número e dei-me um toque. “The oldest trick in the book”, pelo menos deste tempo dos telemóveis. Riste-te. E depois do abraço final falaste num chat qualquer. Sei que também te apetece conhecer-me. Aos bocadinhos.

Fui para um lado e tu para o outro. Hesitei em virar-me para te voltar a ver, e quando o fiz vi-te de pé, parado, a acenar-me. Tenho esta imagem ternurenta tatuada na memória.

Com tanta conversa saí do Terminal atrasada, já nas corridas para a minha porta de embarque, onde já não havia pessoas à espera e piscavam as letrinhas vermelhas de “Last Call”. Imediatamente imaginei o meu nome a ser chamado inúmeras vezes e eu sem o ouvir, tão longe e tão leve estava. Fui a última pessoa a embarcar, vergonhosamente sozinha no autocarro. Com um sorriso enorme nos lábios. Valeu a pena.

O meu avião na pista a preparar-se para descolar e não conseguia evitar pensar que minutos antes ou minutos depois estarias tu de partida, na direcção oposta. Numa tarde de sol, com o mar por companheiro, eu a caminho de casa e tu da tua, eu a caminho do sol posto e tu penetrando a noite escura, a levantar voo quase simultaneamente do mesmo aeroporto, em direcções opostas, para destinos com 4000 Km e 2h que nos separam… Uma visão poética.

3 comments:

CRS said...

Bom, não vou ser muito original, mas só me ocorre dizer, Que Lindo!

Que história tão fixe.

Bjs,
Clau

Talassa said...

nao sabia que o tinhas voltado a ver:P nice! e esses chats?

Princesa Canela said...

É destes momentos que a vida precisa para ter sabor... :)