Conhecemo-nos na véspera de um dia importante, num café à beira-rio, num local ventoso do Estoril. Éramos muitos à mesa e conversamos bastante. Da vida, do passado, do futuro, dos regressos às origens. De tudo e de nada. De cada um e de todos nós.
No dia importante estavas de serviço a filmar. Foi preciso passarem duas horas para passar por ti e me dizeres "ainda não nos cumprimentamos, pois não?", altura em que notei (e anotei) o teu sentido de humor, de momento e de perspicácia. Gostei.
Estivémos tão ocupados a noite toda que só na hora da pista de dança é que nos voltamos a aproximar um do outro. E foi isso que acontenceu a noite toda. Íamo-nos aproximando, aparecia alguém, ou uma música nova, ou havia uma pé de dança especial para executar, e lá nos afastávamos. Senti que controlavas onde eu estava e o que fazia e lá nos íamos encontrando de quando a quando.
A meio da noite disseste-me que era pena eu não fumar, pois podias vir pedir-me qualquer coisa. Como se fosse preciso uma desculpa dessas para te aproximares de alguém. Recordo a letra de “Aurélie” (Wir sind Helden) que já outro Stefan me havera ensinado: “Die Deutschen flirten sehr subtil” (os alemães são subtis a flirtar). Ou têm mais medo de arriscar. Agora sorrio porque não acho que tivesses medo de avançar. Foste avançando. Ias olhando, ias te aproximando e mandavas uma ou outra boca que só te tornavam mais charmoso.
Às tantas sou apanhada pelo bouquet. Literalmente. A noiva atira-o pelo ar a pique, para trás, e eu, que tinha sido empurrada para a primeira fila, imagino-o a cair atrás de mim e desvio-me para a direita para o deixar passar. Apanho um susto descomunal quando, de repente, cai a pique e se instala no meu ombro, bem aninhado na beira do pescoço. Não caiu, nem sequer ricocheteou. Foi preciso tirá-lo do meu ombro. Surreal.
Logicamente, fui gozada por todos e todas. Ainda tentaste apanhar a liga, mesmo sem saberes para quê, e só um pouco depois, estava eu ainda de bouquet na mão, me dizes: "Então, quais são os teus planos para o futuro?". Depois de tanta conversa de projectos de vida e viagens topei que não te referias a isso e disse: "Parece que tenho de casar, não é?". Bebes um gole de cerveja e disfarças: “ah, ok, então depois convida-me". “Vais esperar sentado, isto vai demorar porque não tenho namorado". Sorriso. Silêncio. Eu pergunto: "Então e quais são os teus planos para o futuro?". Tu, muito frontal: "Também ando à procura da minha mulher". Engoli em seco.
A conversa dirigiu-se para sintonias e dessintonias, amores e azares. “A falta que faz duas pessoas estarem no mesmo comprimento de onda”. Desconversei. Porque se houve coisa que senti, que soube, foi que estávamos no mesmo comprimento de onda. Sem palavras nem promessas. Era como se um lugar que apenas nós conhecêssemos e onde durante a festa nos íamos encontrando.
Chegou a hora de ir embora e fui dizer-te um “Até à próxima”. Devolveste-me o abraço leve mas nem percebeste que eu me ia embora. Quando te expliquei, esperaste que me calasse, agarraste-me no braço, baixaste o teu tom de voz, mais íntimo e disseste "foi excelente ter-te conhecido". Foi um momento tão intenso que nem sei. Não soube responder. Olhei de volta nos teus olhos e abracei-te novamente. Desta vez com força. E tu a mim.
Juntaram-se o teu amigo e a minha amiga e continuamos à conversa enquanto se decidiam transportes. Descobrimos que íamos partir no dia seguinte exactamente à mesma hora, e no dia seguinte descobri que eram os únicos dois voos a partir àquela hora. De terminais diferentes, claro. Ainda me perguntaste se vinha pelos teus lados, se no caminho para o aeroporto passava pelo Estoril. Iríamos juntos?
Éramos só os quatro na festa e vocês precisavam de boleia. Eu e a minha amiga decidimos levar-vos até mais perto de um táxi, mas como nunca encontramos nenhum deu tempo de chegarmos à porta do vosso hotel.
Criticaste a minha velocidade alucinante naquela estrada tortuosa. Na verdade a estrada não era assim tão perigosa, já a tinha percorrido naquela tarde e sabia que era segura e não continha detalhes perigosos. Ah!, e eu ia a 40 Km/h. Tanto pediste para eu abrandar que te disse, com alguma graça “Se calhar não queres que a estrada chegue ao fim”. Sorriste: “Nein, eigentlich will ich nicht” (não, realmente acho que não quero). Como se aquela estrada fosse todo o nosso percurso. Como se depois dela nos tivéssemos de separar, como se tivéssemos de parar o que estávamos a fazer, como se aqueles momentos já esticados no tempo fossem um balão em expansão prestes a rebentar. Acho que foi com essa frase que soube que não haveria essa rotura.
Quando nos despedimos, no fim da noite, chamaste-me novamente Sonnenschein (raio de sol), abraçaste-me com imensa força, num abraço intemporal, quente, forte, sentido, não me deixaste falar, enterraste a cabeça no meu pescoço e falaste-me ao ouvido: “És mesmo especial.. bis bald” (até breve). Afastamo-nos, olhas-me nos olhos e dizes novamente “bis bald, ok?”.
Não te conheço. Não sei quem és nem quem mostras ser. Mas sinto-me bem ao pé de ti. Existe toda uma envolvência em torno de um entendimento que não tem língua, nem palavras, nem sinais, nem complexos, nem limitações. É feito de movimentos, de posições e de sorrisos. Sem guião nem legendas.
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1 comment:
Que texto "tão" lindo :) saber que é verdade ainda o torna mais especial.
Bjs,
Clau
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