Deitei fora a tua escova de dentes.
Minto. Não a deitei fora, simplesmente pu-la noutro lugar, pois custava-me imaginá-la a não vir a ser usada. Não a deitei fora na esperança de tu um dia vires cá jantar ou almoçar e notares a sua ausência. Talvez provocasse um terramoto em ti, talvez te magoasse veres finalmente encerrado o capítulo das nossas vidas que quiseste acabar, talvez por um segundo pensasses que te esqueci e que a minha vida continuou. Talvez te apercebesses de que querias continuar a escrever parágrafos nesse capítulo, tal como eu. Poderia então dizer-te que ainda a tenho, tirá-la do armário e dar-ta, deixar-te usá-la mais uma vez. E abraçar-te ternamente.
Mas eu não quero viver de ilusões. Sonhei tanto contigo, ainda sonho, mas não posso atrever-me a sonhar mais. Éramos dois, éramos apenas um, entendíamo-nos, davamo-nos bem, éramos muito diferentes mas estávamos em sintonia, tínhamos interesses comuns e gostávamos de estar juntos. Acima de tudo. De conversar, jantar juntos, sair, tomar café, passear um pouco, ver amigos, partilhar jogos e brincadeiras, piadas e ambições. Falávamos de sitcoms e gostávamos de contar histórias. Fazíamos amor e o sexo era uma brincadeira séria, coisa de adultos. Abraçávamo-nos ao adormecer e eu ficava deliciada a ver-te acordar.
O teu acordar. Essa luta constante contigo próprio, eheh. Como me dava gozo fazer-te festas pela cara e ver-te sorrir antes de acordares. Estavas sereno, calmo, em paz contigo próprio, como se fosses uma criança inocente e sem preocupações para além do drama de ter de abandonar a cama. Temos ritmos tão diferentes e, contudo, sabíamos fazer alguns planos e gozar da companhia um do outro. Para compensar tínhamos os nossos fins-de-semana, curtos ou longos, de um ou dois dias, com interregnos para compras, cafés e outros programas com outros amigos, mas com direito ao nosso sagrado brunch que gozávamos sem pressas nem pressões.
Desde o início que me levaste a sair contigo e com os teus amigos. E eu sentia-me lisongeada por me convidares. Por me quereres mostrar o teu mundo. Por quereres mostrar-me ao teu mundo. Daí que me custe a crer que eu tenha sido apenas mais uma namorada e não “a” namorada. Que tenhas tentado esta relação só por tentar. Nunca me senti como uma segunda hipótese. Tu querias estar comigo.
E ainda queres. Mas não sabes como. Estás tão envolvido nos teus stresses (e nos dos que te rodeiam) que já não consegues ver a beleza do que nós tínhamos. Que triste... Com essa tua teoria de que há patamares de gostar e de que os sentimentos têm de crescer durante o desenvolver de uma relação ficaste baralhado. Que se passa contigo, afinal? Ao fim destas semanas sentiste que tinhas de mudar tudo.
Foi um choque, um imprevisto, uma estalada na face, uma dor lancinante e um sentimento de incompreensão tão grande que nem sei bem explicar. Doeu. Chorei, barafustei, dormi e não queria acordar, falei, desabafei, recolhi opiniões, até liguei ao teu melhor amigo. Se alguém decidisse a tua vida por ti sem te consultar, não farias o mesmo?
Se calhar viste que as coisas lentamente se iam tornando sérias e ficaste com medo. Medo de fazer a escolha errada. Medo de fazeres uma promessa a ti próprio. Medo de decidir agora que ias ficar com esta mulher para o resto da tua vida. Como se tivesses que decidir isso agora. Como se eu te pedisse uma promessa desse tipo. Não são as relações que dependem das decisões, as decisões é que são, sim, dependentes das relações.
Se calhar não percebeste o que realmente te demonstrava ao dizer que gostava de ti. Esta minha alma de aprendiz de escritor busca alcançar o texto perfeito. O livro ideal, aquilo que vou mostrar ao mundo para o mudar. O poeta sonha... e o meu sonho é escrever umas linhas que fiquem gravadas na memória de alguém. Como tantas que ficaram gravadas na minha memória. O meu sonho é trazer as minhas emoções e impressões àqueles gostariam de viver algo diferente, vidas que não as suas. Assim penso e por isso escrevo. Gosto de falar, nasci para contar histórias...
Escrevo acima de tudo para mim. A “escrita imperfeita” é terapia, ajuda a pensar. Poder ver as idéias no papel tempos mais tarde é recordar e reviver. É compreender-me a mim própria. Por isso escrevo. Para não esquecer. Para não me perder, para continuar a saber quem sou. Para me procurar a mim mesma. É curioso, durante a nossa relação não escrevi uma única vez. Só os postais e bilhetinhos ocasionais que te deixei. Talvez tenha sido apenas falta de tempo, pois para escrever é preciso estar sozinha e ter vontade de pensar. Ou melhor, de não pensar e apenas deixar os dedos deambularem-se pelo teclado. Mas talvez tenha sido por já não andar perdida, por não precisar de me encontrar. Contigo eu era sempre eu própria, mais verdadeira do que contigo nunca cheguei a ser.
Dizia-te as coisas que te dizia para que o soubesses. Para que talvez percebesses como eu me sentia, para que sentisses o que era ser eu, como se isso fosse possível. As palavras fortes sempre te assustaram mas bem sabes que eu não precisava delas para te demonstrar como gostava de ti. Eu fazia planos, convidava-te, surpreendia-te, deixava-te com adivinhas para resolver. O gozo que era ver a tua cara de puto esperançado de volta de um brinquedo novo. Eu até cozinhava para ti...
Conosco as coisas fluíam sempre de maneira calma e natural. Sem stresses nem pressões. Tenho medo que me tenhas interpretado mal nalgumas ocasiões e te tenhas sentido pressionado. Talvez tenha influenciado a tua decisão. Nunca te quiz pressionar e gostava de ter a certeza de não o ter feito. Infelizmente não posso acreditar nisso e desejava apenas aprender a não o fazer. Talvez se tivéssemos falado sobre este assunto a relação não teria tido um final tão abrupto e frio.
Não sei o que o futuro nos reserva. Não sei o que o futuro nos reservaria, se ainda estivéssemos juntos, mas gostava que soubesses que sempre te vi no meu presente, agora, na minha realidade. Eras parte do meu mundo. E via-te no meu futuro, sempre. Sentia-o. Porque sei que contigo posso viver, sei que contigo posso ser eu mesma e posso continuar a sonhar. Sei que por ti consigo fazer concessões. Sei que não tenho medo do que sinto e de o mostrar a ti e ao resto do mundo. Esta relação tinha tudo para dar certo. “Até ao dia em que o mundo desabou...”
Demorei um bocado a perceber o que me estavas a dizer. Pensava que íamos conversar sobre nós, os nossos medos e pressões. Nem nos deste hipótese de descobrir o que estava errado conosco. Não que estivesse algo extremamente errado, mas havia algo para melhorar. Ou pelo menos para esclarecer. É apenas preciso conversar. Faz tudo parte de uma relação afectiva. Fortalece a relação. Fortalece os sentimentos do casal e ajuda os dois a crescer. Ao fugir desta etapa evitaste que os teus sentimentos crescessem. Por um lado dizes que esperavas que crescessem, por outro não os deixaste crescer. Irónico...
Se calhar já não te lembras do que é estar envolvido numa relação a sério. Daquelas da vida real, que nada têm a ver com os filmes e os livros da nossa infância. Se calhar eras muito novo quando tiveste a tua última namorada e a tua maneira de encarar o assunto congelou no tempo até hoje. Acreditavas talvez num amor ideal, perfeito e intenso como nenhum outro. Se calhar até ficaste estes anos todos à espera da tua mulher ideal. Fico feliz por teres pensado que poderia ser eu, mas fico terrivelmente triste por teres decidido que essa mulher não pode ser eu.
Tens uma visão imatura e pouco realista do que é uma relação amorosa. Tens objectivos definidos que têm de ser cumpridos. Como se de um programa de informática se tratasse. Quando na realidade a vida não é assim. “O amor tem razões que a própria razão desconhece.” É impossível categorizar uma relação. As pessoas são diferentes e não podes esperar que eu me comporte como as outras mulheres que conheceste. Que os meus medos sejam semelhantes aos delas. Que as minhas reacções signifiquem o mesmo. Não podes interpretar-me da mesma maneira. Tu também já não és esse teenager idealista que foste outrora, és uma pessoa diferente, mudada pelos anos, pelas vivências, pelos sonhos mudados e perdidos e decerto pelas muitas decepções. Não podes “ler” as tuas emoções como as lias naquele tempo. As coisas modificaram-se e já não têm nem o mesmo significado, nem a mesma importância.
“Viver é fácil, difícil é saber viver”. Parece que nos teus anos de solidão e isolamento te esqueceste do ingrediente secreto para uma relação de sucesso: saber viver com essa pessoa. Saber partilhar o dia-a-dia. Chegar a casa com vontade de partilhar os risos e os choros, os stresses e as frustrações. Chegar com um sorriso nos lábios por saber que se regressa ao porto de abrigo. Safe haven... saber que se pode contar com essa pessoa para esses momentos. Saber que não estamos sozinhos no mundo. E nós tínhamos isso, essa vontade de partilhar, essa vontade de poder esquecer os problemas em conjunto. Sabíamos que tínhamos um abraço quente e protector à nossa espera quando precisássemos. Nós sabíamos viver um com o outro, nós podíamos viver um com o outro.
Hoje em dia é tão difícil encontrar alguém com quem se possa viver. Estar apaixonado é fácil, conhecer alguém e ter uma relação carnal é muito fácil. Digo eu, que já passei por experiências várias de tipo físico, fácil e de rápido esquecimento. A paixão não chega. É preciso saber amar. Saber viver. Daí que dê tanto valor ao que nós tínhamos.
Falas-me de um sentimento que tens mas que não chega.
Sonho contigo e com o dia em que me vieres dizer que tudo não passou de um engano. Que sentiste a minha falta e percebeste o quão importante eu sou para ti. Que me queres de volta na tua vida a preencher o vazio que deixei quando me mandaste embora. E abraças-me como da primeira vez. Ou como da última vez. E eu sonho com esse teu abraço... Foi um abraço determinante, decisivo, cheio de saudade, emoção, alegria, energia, amor e sei lá que mais. Esse abraço apaixonado foi realidade, essa noite de saudade e paixão foi realidade. E não foram momentos únicos, houve muitos outros do mesmo género.
Daí que não consiga acreditar quando me dizes que nunca estiveste apaixonado por mim. Ou que não gostas de mim o suficiente. Não acredito que não sintas nada por mim pois sinto a tua voz fraquejar quando o dizes. Como se precisasses de mentir mas não soubesses como. Vi-te chorar, vi-te ficares baralhado, vi-te dares-me esperanças e destruires as minhas esperanças.
Não acredito pois sempre me trataste com amor e ternura. Foste sempre caloroso comigo e perto de mim sentias-te à vontade. Deixaste-me entrar no teu mundo, na tua vida, no teu espaço, como a poucas pessoas o permitiste. Eu sei que sou especial para ti. Importante, até. Não devias ter medo de me deixar ser importante dessa maneira. Gostar de alguém não é crime.
E também não é uma calamidade descobrir que tudo foi uma ilusão. É-me ainda difícil admitir essa possibilidade.. Mas se tiveres coragem para descobrir a fundo porquê e ter a certeza de ter tomado a decisão mais adequada, quem sou eu para duvidar? Infelizmente não me mostraste essa segurança na tua decisão...
E agora espero. Deixo-te pensar e tento não pensar. Tento voltar à minha vida de single desocupada e preencher o vazio que deixaste quando me deixaste para trás. Tento combater o sentimento de impotência que me acompanha. E tento não ouvir o que me diz o meu coração esperançado, que sonha contigo e com o porto seguro do teu abraço.