Acordo e vejo uma cortina envelhecida a revestir uma janela antiga com bordos a apodrecer. É uma água-furtada, como tantas que sempre amei e sempre aspirei a ter, e está no coração da cidade, onde tudo acontece e os documentos se perdem e são reencontrados.
D. dorme. Mexe-se e dou por mim a pensar como só encontro gente com estranhas maneiras de dormir, estranhos vícios. Faz ruídos estranhos e nem se apercebe de que estou encostada a si. Relembro a noite anterior e imagino o dia que me espera. O peso de um possível arrependimento a pairar no ar.
Era uma festa temática, ao som de contos da fada. Fui de sapo. Vestida em verde-tropa da cabeça aos pés, pintei a cara e os cabelos de verde e desenhei uns olhos e uns lábios enormes. A história por detrás do costume? Esta menina-sapo tinha sido beijada, mas como em muitas histórias de amor e enganos, o amor não era verdadeiro e a transformação em princesa não se tinha dado por completo.
Estávamos agarrados no corredor, arrastei-o até ao quarto da flatmate e trancámo-nos lá dentro. Fechar a porta à chave parecia ser a ordem do dia, era moda ver gente a sair de quartos com ar de réu. O que sei é que o beijo prometia... Chegámos a casa e continuámos a história que horas antes tinha ficado interrompida, e deixámo-nos adormecer nos braços um do outro. Acordámos horas mais tarde para passar uma tarde preguiçosa na cama, por entre o despe, toca, fode, conversa, veste, despe, toca, etc. Tenho um sorriso melancólico quando relembro ver as curvas e sombras de dois corpos despidos, deitados lado a lado, qual quadro. Relembro as mãos que acompanhavam essas curvas: braços, cintura, ancas, coxas... Lembro-me de um Adónis bem constituído, repleto de músculos trabalhados e evidentes. Lembro-me de um pescoço elegante mais elevado do que o meu. De uns olhos pestanudos, de umas mãos grandes, de um sorriso suave...
Às vezes é bom deixar a maluca da realidade que nos assola mostrar-nos a verdadeira realidade que atrás de si se esconde.
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